A história que vou contar foi narração verdadeira de Severino dos Santos, índio aruã da ribeira, dita de forma intimista ao sábio naturalista Alexandre R. Ferreira.
Um dia o velho aruã, sentindo-se triste e só, contou ao sábio esta lenda ouvida de sua avó que fala do nascimento, num fabuloso momento, dos rios do Marajó.
Portanto eu peço que todos, adulto, velho ou menino, de olhos fechados embarquem na igara do Severino e sigam rumo ao passado atrás de um mundo encantado entre o lúdico e o divino.
Aconteceu quando o tempo era ainda bem novinho e corria pelos campos espantando passarinhos, apanhando tucumã e nos galhos da manhã vendo o sol tecer o ninho.
Naquele tempo, crianças, o mundo era diferente pois o homem não produzia tanto lixo poluente e a Ilha do Marajó não tinha nome e era só dita a ilha, simplesmente
Porém não era só o nome que a ilha não possuía: furos, rios e igarapés por lá também não havia. Só tinha um lago gigante renovado a todo instante pela chuva que caía.
Ao entorno desse lago e nas águas abissais, vivia naturalmente, toda espécie de animais: peixe de pele e de escama, crustáceos soltos na lama dos extensos manguezais.
Entre os bichos que aos milhares a imensa ilha habitavam eram as cobras, no entanto, que sobre todos reinavam. Esses monstros colossais com forças descomunais, a ser algum se curvavam.
Mas o vento de repente por maldade ou distração, soprou as nuvens de chuva numa outra direção e a seca então, firme e forte, se instalou trazendo a morte para toda região.
A lama virando pedra, as águas evaporando, frutos secando nos galhos, folhas e flores murchando... Sem ter água e nem comida, todos davam adeus à vida sobre o solo definhando
Dava dó de ver o bicho morrendo de inanição: peixes, pássaros, quelônios, mamíferos de montão. Por toda parte se via animais em agonia a caminho da extinção.
Foi quando as cobras gigantes, sentindo a morte chegar, em prol da sobrevivência água tentaram encontrar. com força e fúria tamanhas retiradas das entranhas seguiram ao encontro do mar.
Impossível descrever das serpentes o pavor. Cada uma parecia imenso e vivo trator rasgando sulcos no chão indo em qualquer direção alheias à própria dor.
E assim, do centro da ilha elas seguiram aos trancos derrubando, na passagem, rochas, árvores, barrancos. Pela sede enlouquecidas, lutavam por suas vidas levando a morte nos flancos.
Ouvindo o bramir das ondas sobre a praia a soluçar, as boiunas gigantescas ganharam força sem par vencendo a grande batalha e derrubando a muralha que as separavam do mar.
No momento em que as serpentes dentro do mar penetraram, este, ferido em seus brios, os rastros que elas deixaram invadiu sem qualquer dó e os rios do Marajó nesse instante se formaram.
Dos rastros da s sucuris os igarapés surgiram, dos rastros das boioçus(*) grandes rios emergiram dando vida nova ao lago num doce e líquido afago e em prol da vida se uniram.
Não há palavra que possa expressar tanta beleza desse grandioso espetáculo das forças da natureza! E em meio a tanta magia, a mão de Deus concluía mas um ato de grandeza.
Quati, mucura, veado, anta, paca, pavão, jacaré, onça, urubu, preguiça, camaleão, quer presas, quer predadores, nesse encontro de emoção sobre a terra redimida, renderam graças à vida na paz da ressurreição.
Essa história aconteceu antes dos contos de fadas, tempo em que os bichos falavam, a mata era preservada, e os homens, nossos avós, não tendo grana nem voz não davam palpite em nada.
Hoje perdido na selva de asfalto e concreto armado, sem autoestima e memória, sofrido e desnorteado, o nosso povo, em apuro, nem sabe que o seu futuro depende do seu passado.
Por isso é que a nossa gente, vivendo em tempo enganoso, não sabe que cada rio profundo e misterioso que no Marajó se expande, é rastro de Cobra Grande de um passado fabuloso.
Aqui termina a história dita por nossos avós para que seja gravada na mente de todos nós como valiosa herança reforçando a confiança de que não estamos sós. *
Antonio Juraci Siqueira, é marajoara de Cajary, município de AFUÁ, onde, ainda menino, descobriu a literatura através dos folhetos de cordel. Licenciado pleno em Filosofia pela UFPA, pertence a várias entidades litero-culturais e atua como professor de filosofia, oficineiro de literatura, performista e contador de histórias. Possui mais de 80 títulos individuais publicados entre folhetos de cordel, livros de poesias, contos, crônicas, literatura infantil, histórias humorísticas e versos picantes. Colabora com jornais, revistas e boletins culturais de Belém e de outras localidades, além de contar com mais de 200 premiações literárias em vários gêneros, em âmbito nacional e local.
|
Que beleza, Marli!
ResponderExcluirVocê é uma artista singular, sempre
valorizando o que é belo!
Parabéns, parabéns!
Beijos no coração de poesia.
Dáguima,obrigada pelo elogio, na verdade, a bela obra de Antonio Juraci,é que merece todos os elogios possíveis, você não acha?
ExcluirBeijos querida amiga.
Sumana querida Marli, assim você acaba matanto o boto.
ResponderExcluirOnde já se viu ficar cutucando o coração da gen te desse jeito, piquena?!
Obrigado pelo carinho e pela divulgação dessa história marajoara
que nos legaram nossos ancestrais. Você é 1000000000000000!!!
Meu sumano, adoro cutucar teu coração mesmo, quem manda fazer essas histórias lindas do nosso Marajó.
ExcluirQuero que o mundo todo tome conhecimento do teu belo trabalho, e que venham muito mais obras maravilhosas.
Um beijão nesse coraçãozão!!!