TEMPO DE MENINO
Asa de garça
passou por cima de minha cabeça ao entardecer...
Chuva encheu a lagoa.
Me lembro de Cachoeira
ao entardecer, no tempo do inverno
O quintal da casa, cheio d'água,
para minha alegria de menino levado,
doidinho pela água como filhote de pato brabo.
Alegria de brincar com meus navios de miriti
E de espantar as sardinhas.
Me lembro das piaçocas,
das marrecas,
Dos tuiuiús passando muito alto.
Indo embora para os lagos desconhecidos.
Me lembro daquele moinho de vento
Parado no meio das águas.
Montarias levando meninos para as escolas.
O velho Mané Leão, surdo e trôpego,
subia a torre da igreja para bater a ave-maria.
Gaviões, colhereiras, marrecas, piaçocas, tuiuiús
passavam por cima da igreja...
Eu não pensava nos reinos encantados
que há nos livros caros dos meninos ricos
(quando eu conhecia os contos de Perrault)
Sabia histórias que a Sabina, cria da casa, me contava,
Pensava nas canoinhas de miriti bubuiando nas águas,
nos matupiris que comiam os miolos do pão,
nos cabelos verdes da mãe d'água, nos choques dos puraqués,
no ronco dos jacarés, nos sucurijus que podiam vir buscar a gente
quando estivesse descuidada, tomando banho no quintal da casa...
(quando eu pensava nas fábulas de La Fontaine).
Eu tinha a Sabina, cria da casa,
Para me ensinar a linguagem dos bichos marajoaras.
E me mirava horas e horas, no espelho das águas,
E quando o vento vinha arrepiando as águas,
O meu retrato se arrepiava também, se desmontava,
[perdia,
o sério de um retrato bem tirado
para ser uma criatura que o vento bolia
nos espelhos das águas...
Não vejo mais nenhuma asa de garça...
Não vejo mais nenhuma paisagem de água e mururé
[em volta de mim
Infância, tempo de menino,
Sucuriju te levou p'ro fundo das águas
Com todas histórias de Sabina
As canoinhas de miriti, os cabelos da mãe d'água
O acalanto da rede no balanço bom demais que
[mamãe me fazia...
É por isso com meu velho dicionário
Leio os contos de Perrault
E compreendo a fala dos bichos de La Fontaine.
*****
(Revista Terra Imatura, março de 1939)
Segundo Profª Marli Furtado, este poema apareceu pela primeira vez na Escola em 1935 |
Amei seu blog, Graça!
ResponderExcluirParabéns, querida!
Muito obrigada Lígia!
ExcluirVolte sempre que puder.
Um grande abraço!
A gente lendo essas coisas maravilhosas
ResponderExcluirah, é claro que é impossível não sentir
que navegamos nas ribanceiras da Prosa
nas linhas dos Versos de Dalcídio Jurandir
Poxa, me perdoa, mas vou levar isso pro meu face,
Grande Jetro,poeta marajoara, obrigada por me dar o prazer de sua visita e muito mais ainda, por divulgar em sua página no Face!Fiquei muito feliz!
ExcluirA gente lendo essas coisas maravilhosas
ResponderExcluirah, é claro que é impossível não sentir
que navegamos nas ribanceiras da Prosa
nas linhas dos Versos de Dalcídio Jurandir
Jetro
Valeu amigo querido!
ExcluirOlá, me chamo Carol, sou do Acre, simplesmente amei que você postou essa poesia em seu blog, quase todos os dias o visito, porque esse é o meu poema preferido, muito obrigada por compartilhar essa arte conosco!
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