Seu Sumano, como bom marajoara, sempre gostou de uma sesta depois daquele almoço reforçado, aquele “cardo” de peito de boi. Pegava sua rede, descia pra debaixo da casa... É isso mesmo, não é metáfora não! É que aqui no Marajó, na região de campo dessa imensa ilha, a maioria das casas é do tipo “caneluda”, casas altas, onde uma pessoa de certa altura pode andar tranquilamente debaixo sem encostar a cabeça no assoalho. Essas casas são construídas assim, porque no “inverno brabo” o campo é inundado pelas águas, por isso elas têm de ser bem altas.
Pois bem! Seu Sumano gostava de “tirar uma perereca” depois do almoço. Não que fosse preguiçoso. Longe disso. Era trabalhador. Mas moramos praticamente sobre a linha do equador, a região mais quente do planeta e com esse tempo quente e abafado é quase que sagrado “esticar” um pouco as costas após a refeição principal do dia. Ele achava, e com toda razão, que depois de tirar leite da búfala, quatro e meia da manhã, fazer queijo, despescar a rede no rio, cuidar de porcos, galinhas, cavalos e muitas outras tarefas durante a parte da manhã, ele podia descansar um pouco. Vocês não acham também? Ele estava corretíssimo! Além disso, ainda tinha aquelas vacas fujonas que atrasavam seu trabalho rotineiro, pois tinha que buscá-las em outras fazendas distantes da sua “Fazendola”. Ele tinha uma pequena propriedade, chamada Retiro Bom-que-dói.
No entanto não era o que pensava seu primo, conhecido como Tio Branco, “lá das bandas” da Capital do Estado. Ele achava que seu primo marajoara era muito acomodado e quem sabe, em seus pensamentos mais íntimos, um preguiçoso.
Certa vez, quando Tio Branco veio de Belém com sua família no seu carrinho popular – e que aqui dizia “bão” – por ocasião do Círio do lugar onde morava Seu Sumano, chamou-o e lhe disse – usando logicamente um eufemismo – que era preguiçoso.
- Primo, eu sou um cara trabalhador, não durmo depois do almoço, porque tempo é dinheiro! Tempo é dinheiro, primo!
Logo ele que também nunca foi chegado ao trabalho, tem as coisas porque herdou de sua mãe. Mas Seu Sumano nem ligou, ou melhor, nem entendeu a frase dita por Tio Branco, “tempo é dinheiro, primo”.
Durante o tempo que passou com primo, depois de um café da manhã, regado a “coalhada”, queijo, ovos de galinha caipira, Tio Branco via seu parente sumir e só chegar na hora do almoço. Ficou inquieto ao ver todo dia a mesma cena: Seu Sumano descendo a escada de sua casa e atando sua rede para dar aquela sesta.
Certo dia vendo aquela arrumação voltou a insinuar dizendo:
- Primo, tempo é dinheiro, hein!
- Como assim Tio Branco?
- É fácil entender o que eu digo!
- Então diga homi!
- Toda vez que o senhor pega essa sua rede e vai se deitar, você poderia estar fazendo outra coisa, qualquer coisa pra aumentar sua renda no final do mês. Dormindo assim não vai ter dinheiro nunca!
- Não quero muito dinheiro não, quero viver tranquilo. Acho que quem tem muito dinheiro nem dorme direito só pensando dele!
- Deixa de Besteira! Hoje só vive bem quem tem Money!
- Mã... O quê? Que é isso já?
- Dinheiro meu primo, dinheiro, dinheiro!
Depois que seu primo Tio branca fora embora, o bom marajoara voltou a sua rotina de trabalho e nem pensou mais no que disse seu primo. Mas num dia, assim do nada, Seu Sumano se lembrou das ditas palavras: “tempo é dinheiro”. Ficou pensativo, refletiu, achou uma besteira ganhar muito dinheiro, nem tinha como gastar tal fortuna. Desistiu de pensar nisso. Outro dia voltou a pensar. Se eu tiver dinheiro posso mandar um dos meus filhos estudar na capital, quem sabe Chiquinho não vira médico! Decidiu tomar a ideia de seu primo como fosse sua. A partir de amanhã não durmo mais depois da boia, mudou de atitude o homem.
No dia seguinte acordou esperançoso, com a mudança em sua vida. Fez todas as suas tarefas sempre na mesma sequência. Chegou a hora do almoço. Feijão da colônia com charque, bucho e tudo mais, carne assada de panela, apurada na gordura, arroz paraense. Acabou o almoço. Por força do bendito hábito pegou sua rede e quando ia descendo lembrou-se da mudança. Não, hoje não vou dormir! Vou arrancar umas “sarsas”, para plantar milho! Pensou alto Seu Sumano.
Deixou sua redinha e saiu para limpar uma área perto da casa, que ficava fora da cerca. Foi se arrastando, com o bucho “por ali”. Tirou uns dez pés ou um pouco mais que isso da planta cuja raiz e extremamente segura na terra. Tinha que fazer muita força. Quando, de repente sentiu fortes dores no estômago. Tentou se equilibrar. Sua vista escureceu. Seu filho Chiquinho que olhava orgulhoso o pai do pátio de casa viu seu velho cair e chamou sua mãe. Correram pra lá. Tentaram reanimá-lo, contudo foi em vão. Ele pegou uma congestão tão forte que não resistiu e morreu logo em seguida.
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Do Escritor: DANIEL NICÁCIO, marajoara de Portel, professor formado pela UFPA, trabalha na E.E.E.F.M. no Retiro Grande - Cachoeira do Arari, leciona a língua portuguesa, nas horas vagas é escritor, compositor e músico. Pretende lançar brevemente seu livro cujo conteúdo está em fase de finalização.
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A foto acima é a Casa do Caboclo no Museu do Marajó.
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